sábado, fevereiro 28, 2015

Fábula do Amor!

Em uma manhã de maio, quando o sol escolheu sua medida certa, eu abri as cortinas e janelas da minha casa. Olhei para o portão e o vi pela primeira vez. Não o reconheci, tive que esperar que ele se apresentasse.

Esse foi o dia que o Amor me visitou.

Disse que queria me conhecer pessoalmente, porque eu andava falando muito dele pela vizinhança.

Eu, da janela da sala, passei a trocar palavras soltas com ele. Em uma pausa da conversa, imprevisivelmente, disse que gostaria de morar comigo.

Por sua fama, acabei de pronto por aceitá-lo.

Convidei-o para entrar. Senti como se tivesse chegado o tanto que me faltava na vida.

Ele sentou-se no sofá e, olhando em meus olhos, disse que nunca fica em par com alguém. Disse ainda que é preciso acrescentar mais um para que ele fique.

Olhei confusa, e disse que poderia rapidamente pensar em alguém para resolver o problema.

Ainda, olhando em meus olhos, o Amor salientou que existe um requisito para a entrada desse mais um.

Fiquei já listando em minha mente quais características essa pessoa deveria ter, mas não me atrevi a adiantar nenhuma.

Esperei que ele dissesse que, na verdade, não podemos escolher a pessoa, é necessário que ela apenas chegue e queira viver conosco. Eu, esse um e o Amor.

Confesso que não entendi. Poderíamos gastar o resto da manhã pensando em pessoas para dividir aquela casa, com quem poderíamos viver momentos ótimos.

Como me constrangi, pelo fato de estar falando do Amor aos quatro cantos desde outrora, acabei apenas aceitando suas exigências, e deixei que esse alguém chegasse.

Dias depois, como se eu nem percebesse, ele chegou de malas feitas. Eu já o ouvia ao longe conversando na calçada sobre o Amor, da mesma forma que tantas vezes eu tinha feito.

Ele chegou quando eu nem procurei, obedeci ao Amor e não o escolhi. Apenas chegou, sem bater, foi entrando como se alguém já tivesse dito que aquela casa seria sua. Como se sempre tivesse morado ali. E nós dois dissemos: sejas bem-vindo!

Passado um tempo, resolvi ter uma conversa com o um. Afinal, eram tantas coisas que foram descobertas, tantas rotinas monótonas, tantos assuntos repetidos, projetos não cumpridos. O Amor  tentando nos fazer entender um ao outro, mas algumas vezes eu nem mais o convidava para as conversas.

Disse que, do mesmo jeito que tinha vindo, que fosse. Insisti que tinha que ser diferente, que queria escolher outra pessoa, afinal poderíamos ficar melhor sem ele.

Chorou e foi embora.

No dia seguinte vi uma roupa usada, um sapato no canto da sala, um cheiro familiar no ar. Era a lembrança do Amor, mas o Amor mesmo tinha ido embora.

Desde então anseio que ele volte, costumo contar para todos que já convivi com ele, que já fomos próximos. Hoje, só consigo viver fingindo que ele ainda está comigo, dividindo os dias com um outro que escolhi.

Edvard Munch - Summer night, Inger on the beach (1889)






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